domingo, 28 de julho de 2013

ROBERT RICH GANHOU O OSCAR DE MELHOR ROTEIRO, MAS...

Nem sempre é prudente o retorno aos filmes marcantes da infância, ainda mais quando nos tornamos adultos. A experiência costuma ser decepcionante. Que o diga, no meu caso, a revisão de Marcelino pão e vinho (Marcelino pan y vino, 1955), de Ladislao Vajda, em 1977. Foi o primeiro que vi, em 1958, no colo de minha mãe, ao contar dois anos bem vividos. Arenas sangrentas (The brave one, 1956), de Irving Rapper, é outro clássico dos meus tempos de garoto. Também é o primeiro filme ao qual enderecei uma apreciação, escrita em 1974, revisada em 1976. Foram três as vezes que o vi, desde 1966, quando tinha 10 anos. Emocionou-me o drama do menino Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey) para salvar da morte o seu animal de estimação no cenário de um México frustrado em suas esperanças revolucionárias. É uma produção simples, narrada com eficiência, que suportou razoavelmente bem a passagem dos anos. Além do mais, ganhou fama devido aos seus bastidores, que terminaram expondo as entranhas e consequências do macarthismo.







Arenas sangrentas
The brave one

Direção:
Irving Rapper
Produção:
Maurice King, Frank King
King Brothers
EUA —1956
Elenco:
Michel Rey, Elsa Cárdenas, Fermín Rivera, Carlos Navarro, Rodolfo Hoyos Jr., Joi Lansing, Jorge Treviño, Carlos Fernández e os não creditados Eduardo Alcaraz, Rafael Alcayde, Manuel de la Vega, Miguel Ángel Ferriz, Pascual Garcia Peña, Beatriz Ramos, Manuel Sánchez Navarro, Manuel Vergara 'Manver'.




O diretor  Irving Rapper - à esquerda - na companhia dos atores Bette Davis e James Stephenson
Bastidores de Gloriosa vitória (Shining victory, 1941)



O macarthismo fez a fama de Arenas sangrentas. A “caça às bruxas” terminara, mas não os efeitos da famigerada “lista negra”. Era a noite de 27 de março de 1957, entrega do Oscar aos melhores do ano anterior. O filme de Irving Rapper ganha o prêmio de Melhor Roteiro. O autor do argumento, o desconhecido Robert Rich, não está presente. É representado por Jesse Laski Jr. Rich não poderia comparecer mesmo. Oficialmente, não existia. Descobriu-se, bem mais tarde, que se tratava de alcunha do roteirista Dalton Trumbo, banido das atividades cinematográficas e da vida pública por se recusar a colaborar com o Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas do Senado.


A história é conhecida. Trumbo, incluído entre os "Dez de Hollywood”[1], foi um dos primeiros nomes a figurar na “lista negra”. A conservadora Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar, não perdoou o atrevimento. Em seus arquivos não consta o nome do premiado, apenas do filme vencedor na categoria. Trumbo foi redimido somente em 1960, graças à coragem do ator Kirk Douglas. Produtor de Spartacus (Spartacus, 1960), de Stanley Kubrick, Douglas desmoralizou a “lista negra” ao creditá-lo como roteirista do filme.


Dalton Trumbo, ao centro, recusando-se a colaborar com o Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas


Não fosse a celeuma causada pela revelação da verdadeira identidade de Robert Rich, ninguém mais se lembraria de Arenas sangrentas. A história se passa no México. O menino Leonardo Miguel Rosillo (Rey) é o personagem principal. Mora num casebre na companhia do pai e da irmã. A família é agregada à fazenda do despótico Varga Videgaray. Don Alejandro (Navarro), filho do patrão, presenteou-a com Chaba, vaca em idade avançada. Ela morre ao parir Gitano. Este, criado com afeto por Leonardo, deflagra os conflitos da história. Pertence a uma raça de touros de arena. Reclamado como propriedade da fazenda, é arrolado entre os bens de Don Alejandro — morto em acidente automobilístico — e leiloado. Leonardo perdeu a carta que confirmava a posse de Gitano pela sua família. O destino do animal será a grande plaza de toros da capital, onde enfrentará o famoso matador Fermín Rivera (o próprio).



Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey)


Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey) e o pai Rafael Rosillo (Rodolfo Hoyos Jr.)

Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey) nos cuidados ao jovem touro Gitano


Leonardo move céus e terra para salvar Gitano. A ponto de embarcar clandestino no caminhão que o transporta à arena. Na Cidade do México é instruído a procurar o Presidente da República. Com dificuldade penetra no Palácio e sai de lá com uma carta do Chefe da Nação, endereçada ao patrocinador do espetáculo, com pedido de indulto para o touro. Mas chega tarde à arena. A função começou e Gitano enfrenta Rivera. Matador e animal levam os espectadores ao delírio. Nos instantes finais, o público, de pé, grita por indulto. Salvo, Gitano é conduzido por Leonardo para fora da arena, sob uma chuva de aplausos.



Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey) na cidade do México e na solidão da plaza


A maior parte da história transcorre na fazenda do senhor Varga. Aí o espectador acompanha o desenvolvimento da amizade do menino por Gitano. Parte do tempo de Leonardo é dedicado ao aprendizado na escola local. É visto principalmente nas aulas de história do México. É com base nos feitos de Benito Juarez — um dos mais populares heróis do longo processo revolucionário mexicano —, que encontra coragem para se avistar com o Presidente.



Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey) e Gitano


A narração, simples direta, chega aos limites do simplório. Mas é marcada pela eficiência. O senão é o excesso de sentimentalismo em decorrência da exploração incômoda de tanta choradeira e sofrimento. Porém, em se tratando de uma produção americana, não carnavaliza as imagens do México de tanta pobreza e eventos trágicos. A produção é honesta com o país. A escolha do elenco, composto praticamente por nomes mexicanos, é disso confirmação. Na passagem em que Gitano é posto à prova, Manoel (Fernández) — noivo de Maria (Cárdenas), irmã de Leonardo — faz uma afirmação que não é gratuita: “Cicatrizes são a glória do México”. Trata-se, evidentemente, de uma contribuição do presente ao original de Dalton Trumbo. A frase remete mais aos aspectos sangrentos do processo histórico mexicano que aos ferimentos expostos na arena. Não para menos se fala tanto no revolucionário Benito Juarez numa escola de camponeses. O filme mostra pouco as condições de vida da família Rosillo. Mesmo assim, principalmente quando relaciona esse núcleo com o despotismo do patrão, traz de volta, ainda que timidamente, as causas da Revolução. Parece dizer que Emiliano Zapata, Pancho Villa e o próprio Benito Juarez, apesar de mortos, ainda têm um trabalho a completar com o povo mexicano.



Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey) entre o público presente à plaza

Leonardo Miguel Rosillo (Michel Rey) e o amigo Salvador (Jorge Treviño)


A ressaltar a fotografia de cores quentes de Jack Cardiff e a música de Victor Young. Também merece atenção a sequência que exibe Leonardo no vazio grandioso da arena, mirando do alto das arquibancadas o círculo amarelado da encenação da tourada.





Direção de fotografia (Cinemascope, Technicolor): Jack Cardiff. Roteiro: Harry Franklin, Merrill G. White, com base em original de Robert Richi (Dalton Trumbo). Música: Victor Young. Supervisão de montagem: Merrill G. White. Supervisão de produção e assistente de direção: Clarence Eurist. Assistente para os produtores: Reg O’Neill. Edição de som: George Reid (não creditado). Edição musical: Audrey Granville. Orquestração: Sidney Cutner (não creditado). Direção de arte: Ramon Rodriguez. Continuidade: Mario Cisneros. Assistente do supervisor de produção: Barry Crane. Supervisão técnica: Nacho Trevino. Efeitos fotográficos: Jack Rabin, Louis Dewitt. Tempo de exibição: 100 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1974; revisado e ampliado em 1976)



[1] São os diretores Herbert Biberman e Edward Dmytryk, o produtor Adrian Scott e os roteiristas Lester Cole, Albert Maltz, Samuel Ornitz, Dalton Trumbo, Ring Lardner Jr., John Howard Lawson e Alvah Bessie. Recusaram-se a colaborar com o Comitê de Investigação de Atividades Antiamericanas e, principalmente, a denunciar colegas filiados ao Partido Comunista ou simpatizantes da agremiação. 

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