domingo, 23 de março de 2014

ENTRE MOSCOU E NOVA YORK PAUL MAZURSKY OBSERVA AS SEMELHANÇAS NAS DIFERENÇAS

Vladimir Ivanoff (Robin Williams)  carente e frustrado saxofonista da orquestra do Circo de Moscou  escapa à vigilância do onipresente e autoritário regime soviético e consegue asilo em Nova York. Porém, o amargo Moscou em Nova York (Moscow on the Hudson, 1984) não é mais uma grotesca peça de propaganda a opor as "maravilhas" do individualismo capitalista ao "satânico" e "decadente" comunismo russo. A realização, pouco ousada e em tom menor, revela apreço e carinho aos personagens — ponto forte do cinema de Paul Mazursky. Ao experimentar a liberdade americana, o expatriado Ivanoff percebe as semelhanças entre os modos de vida a Leste e a Oeste. Apesar das diferenças políticas, os problemas permanecem os mesmos, principalmente em questões como autonomia e individualidade. Nova York é revelada como maçã amarga. A metrópole abriga desterrados das mais diversas latitudes; gente obrigada a recriar novas comunidades de pertencimento mas sem conseguir pertencer a lugar algum. A apreciação é de 1996.







Moscou em Nova York
Moscow on the Hudson

Direção:
Paul Mazursky
Produção:
Paul Mazursky
Bavaria Film, Columbia Pictures Corporation, Delphi Premier Productions
EUA — 1984
Elenco:
Robin Williams, Maria Conchita Alonso, Cleavant Derricks, Elya Baskin, Alejandro Rey, Savely Kramarov, Elya Baskin, Oleg Rudnik, Alekxandr Benyaminov, Lyudmila Kramarevsky, Ivo Vrzal-Wiegand, Natalya Ivanova, Tiger Haynes, Eyde Byrde, Robert MacBeth, Donna Ingram-Young, Olga Talyn, Aleksandr Narodetsky, Pierre Orcel, Stephanie Cotsirilos, Frederick Strother, Anthony Cortino, Betsy Mazursky, Kaity Tong, Royce Rich, Christopher Wynkoop, Lyman Ward, Joe Lynn, Joy Todd, Paul Mazursky, Thomas Ikeda, Barbara Montgomery, Dana Lorge, Adalberto Santiago, Sam Moses, Yakov Smirnoff, Sam Stoneburner, Michael Greene, Rosetta LeNoire, Sal Carollo, Filomena Spagnuolo, Annabella Turco, George Kelly, Yury Olshansky, Jacques Sandulescu, Emil Feist, Vladimir Tukan, Mark Rutenberg, Yuri Belov, Igor Panich, Yuri Golovshchikov, Sina Kasper, Ken Fitch, Murray Grand, Ann E. Wile, Michael T. Laide, Linda Kerns, Armand Dahan, Jose Rabelo, Jim Goodfriend, Antonia Rey, James Prendergast, Brandon Rey, Paul Davidovsky, Andrei Kramarevsky, Arkady Shabashev, Dina Shvarts, Bella Rosenberg, Anatoly Mogilevsky, Mikhail Shufutinskiy, Donald King, David Medina, Juanita Mahone, Robert Kasel, Kikue Tashiro, Joyce R. Korbin, Luis Antonio Ramos, Kim Chan e os não creditados Connie Chung, George Coutoupis, Kim Delgado, Jackée Harry, Udo Kier.



Filmagens de Moscou em Nova York
O diretor Paul Mazursky, à direita, com os atores Robin Williams e Cleavant Derricks 


A guerra fria explodia seus últimos mísseis quando Paul Mazursky realizou Moscou em Nova York. A oposição entre “liberdade americana” e “autoritarismo soviético” sempre esteve entre os temas mais caros do cinema de Tio Sam. Mas os resultados raramente eram satisfatórios. Na maioria das vezes as realizações se esgotavam no nível da mais superficial e grosseira propaganda contra o "satânico" regime de Moscou. O que faltava em senso crítico e equilíbrio sobrava na mais desavergonhada e pueril exaltação às supostas maravilhas do American way of life.


Williams é o russo Vladimir Ivanoff. Em Moscou sua vida afunda na falta de horizontes. Deve se contentar à posição de saxofonista da orquestra do Circo de Moscou até o fim dos seus dias. O duro e controlador regime comunista não demonstra propensão a lhe conceder novas oportunidades ao extravasamento do talento artístico. Fora do trabalho, Vladimir perde tempo em filas intermináveis para adquirir bens essenciais à sobrevivência. Conseguir papel higiênico é motivo da mais extrema alegria.


Vladimir Ivanoff (Robin Williams), saxofonista do Circo de Moscou

  
Vladimir divide pequeno apartamento com os pais (Vrzal-Wiegand e Kramarevskaya), a irmã Sasha (Ivanova) e o avô (Benyaminov). Não dispõe de espaço físico e político para o desfrute de pequenos e prediletos prazeres: fazer sexo e se entregar à audição de jazz e blues de procedência estadunidense. Para os encontros amorosos conta com a boa vontade do amigo e colega Anatoly (Baskin), que lhe cede a moradia. Quando quer se dedicar “livremente” à música, busca isolamento junto aos animais do circo.


As autoridades soviéticas desconfiam da fidelidade de Vladimir. Mas a ele não faltam reserva e prudência. Sempre soube disfarçar a atração sentida pelo Ocidente. O mesmo não ocorre a Anatoly, com quem pratica secretamente o inglês.


Robin Williams interpreta Vladimir Ivanoff


Chega a hora de mudar de clima. O Circo de Moscou excursiona pelos Estados Unidos e se exibe em Nova York. À troupe, antes de regressar, é permitida meia hora de compras na famosa e gigantesca Bloomingdale. Com todos — inclusive a vigilância — fascinados pelos artigos de consumo do “decadente” mundo capitalista, Anatoly tenta desertar. Mas não demonstra coragem de seguir em frente. Diante do vacilo do companheiro, Vladimir aproveita o momento. É agora ou nunca! Agarra-se ao segurança Lionel Witherspoon (Derricks) e à atendente Lucia Lombardo (Alonso). Com parco domínio do inglês, pede asilo. Demora a ser compreendido. Mas logo é disputado pelo FBI e seguranças da comitiva.


Na Bloomingdale, Wladimir Ivanoff (Robin Williams) - sentado - pede asilo e tenta se entender com os  agentes do FBI e a segurança soviética. À esquerda,  Lionel Witherspoon (Cleavant Derricks)

Vladimir Ivanoff (Robin Williams) e Lionel Witherspoon (Cleavant Derricks)


Valdimir começa a experimentar a “liberdade” americana. Ao seu redor, facilitando-lhe a integração e formando uma inicial comunidade de pertencimento, estão Lionel — que o acolhe em casa —, Lucia e o advogado Orlando Ramirez (Rey) encarregado de lhe regularizar a situação nos EUA. Formam um trio de expatriados. Dão muito duro para ter direito a algumas migalhas do sonho americano. Lionel, negro apartado das raízes africanas é — à semelhança de Vladimir em Moscou — obrigado a se estreitar num minúsculo apartamento com todos os seus. Lucia — com quem Vladimir viverá conturbada relação amorosa — tenta esquecer a Itália natal enquanto luta para se adaptar à nova terra com a numerosa família. Ramirez é cubano foragido. Porém, os membros do trio de apoio estão, de certa maneira, relacionados a semelhantes culturais. Assim, podem se adaptar e sobreviver da melhor forma. Com o russo a situação é dolorosamente complicada. Está cultural e familiarmente só, sem a mínima possibilidade de remediar a situação.


Lucia Lombardo (Maria Conchita Alonso) e Vladimir Ivanoff  (Robin Williams)

Lionel Witherspoon (Cleavant Derricks) e Wladimir Ivanoff (Robin Williams)

  
Sobra ao expatriado Vladimir a desconfortável sensação de abandono e vazio existencial. Somado a isso está a obrigação da adaptação ao novo sistema. Verá que o sonho americano não é tão rosa como parecia. Nova York é uma maçã amarga, abrigo de desterrados de todas as partes. Como ele, pretendem recriar um novo lugar, mas estão obrigados a não pertencer a parte alguma. Percebe também que a tão sonhada liberdade exige muito trabalho, nem sempre aquele ao qual se está vocacionado, mas os permitidos pela oportunidade. A paixão pela música cede lugar, por imposição da necessidade, ao vendedor de cachorro-quente, atendente de balcão de fast food e motorista em firma de aluguel de limusines. Quando consegue executar o saxofone ao lado de renomado jazzista, percebe o quanto precisa se dedicar ao instrumento. Ensaiar não é fácil, ainda mais em casa, com os ouvidos de tantos vizinhos pouco compreensivos ao redor.



Em Nova York, a necessidade de sobreviver obriga Valdimir (Robin Williams) a se desdobrar em empregos variados - abaixo. Nem sempre é possível ter tempo e lugar para a música - acima.


Mazursky, contrariando as expectativas, não fez de Moscou em Nova York peça de gratuita propaganda contra o regime de Moscou e muito menos um libelo de exaltação ao modo de vida americano. Seu filme trata de problemas comuns em qualquer latitude, relacionados à autonomia, liberdade e individualidade. Vê que tanto Moscou como Nova York, apesar das diferenças dos sistemas políticos, igualam-se muito no tocante àqueles temas. Muda apenas a concepção do discurso. Ao perceber as semelhanças nas diferenças, o filme poderia oferecer visão mais crítica, mas faltou ousadia tanto à direção como ao roteiro de Paul Mazursky e Leon Capetanos. Moscou em Nova York tem a vantagem de lançar visão mais nuançada sobre o tema da dicotomia Leste-Oeste. É bem intencionado mas não passa disso. E, como geralmente se fala, este é o problema, pois de boas intenções o inferno está cheio. Irretocável mesmo é o olhar carinhoso que o diretor volta aos personagens — uma constante na sua filmografia como o provam Harry, o amigo de Tonto (Harry and Tonto, 1974), Próxima parada, bairro boêmio (Next stop Greenwich Village, 1976) e Uma mulher descasada (An unmarried woman, 1978). Também merece destaque a sensível, discreta e tocante atuação de Robin Williams, ainda distante dos papéis que o estigmatizaram.


As sequências ambientadas em Moscou foram encenadas em Munique.


Vladimir Ivanoff (Robin Williams) e Lucia Lombardo (Maria Conchita Alonso)


Roteiro: Paul Mazursky, Leon Capetanos. Direção de fotografia (Metrocolor): Donald McAlpine. Música: David McHugh. Produção do elenco principal: Joy Todd. Produtor associado: Geoffrey Taylor. Figurinos: Albert Wolsky. Montagem: Richard Halsey. Desenho de produção e co-produção: Pato Guzman. Maquiagem: Joseph Cranzano, Ingrid Thier (em Munique). Penteados: William A. Farley, Ingrid Thier (em Munique). Gerentes de unidade de produção em Munique: Gerhard Hegele, Arno Ortmair. Gerente de produção: Patrick McCormick. Estagiários do Directors Guild of America: Paula Brody, Steve Gilbert, Timothy J. Lonsdale, Thompson O'Sullivan, Jay Tobias. Primeiro assistente de direção: Alex Hapsas. Segundo assistente de direção: Joseph Ray. Assistente de direção em Munique: Stefaan Schieder. Carpinteiros-chefes: Frank Didio, Ron Petagna. Contrarregras: John Ford, Robert Griffon Jr., Klaus Ringel (em Munique), Walter Stocklin. Camareiros: Tony Gamiello, Hans Swanson. Ferramenteiro de construções: James Garland. Carpinteiro stand-by: Joe Greco. Decoração em Nova York: Steven J. Jordan. Assistente de arte cênica: Vincent Lawrence. Arquiteto em Munique: Karl Loreck. Direção de arte: Michael Molly (em Nova York), Peter Rothe (em Munique). Aquisições em Nova York: Herwig Pollak . Arte cênica: Cosmo Sorice. Efeitos sonoros: John K. Adams, Neil Burrow, Dick Le Grand. Mixagem da regravação de som: Rick Alexander, Les Fresholtz, Devon Heffley Curry, Vern Poore. Regravação de diálogos: Barbara J. Boguski. Aprendiz de edição de som: Clayton Collins. Ruídos de sala: Ellen Heuer, Dan O'Connell. Produção da mixagem de som: Dennis Maitland. Gravação de som: Kim Maitland, Robert Nichols II. Aprendiz de som: Maggie Ostroff. Edição de diálogos: Steve Rice. Operador de microfones: Daniel Rosenblum. Edição de som: Charles Ewing Smith. Assistente de som em Munique: Thomas Vehrig-Perron. Supervisão da edição de som: David Lewis Yewdall. Assistentes de efeitos especiais em Munique: Bernie Grill. Chefe de efeitos especiais em Munique: Richard Richtsfeld. Coordenação de dublês: Victor Magnotta. Dublê: Dennis O'Neill. Operador de câmera: Lou Barlia, Dick Mingalone (câmera adicional). Segundo assistente de câmera em Nova York: Ricki-Ellen Brooke. Primeiro assistente de câmera em Nova York: Sandy Brooke. Eletricistas: Michael Burke, Ken Connors, Hans-Juergen Hoepflinger (em Munique). Eletricistas-chefes: Russell Engels, Dieter Zander. Operação de máquinas e ferramentas: James Finnerty, James W. Finnerty, John Finnerty, Fred Leitensdorfer, George Patsos, Herbert Sporrer. Técnico de iluminação no set: Adam Glick. Fotografia de cena: Louis Goldman. Operador de vídeo playback: Thomas F. Hanlon. Claquete: Ronald Hersey. Foco: Alexander Witt. Produção de elenco em Munique: Ilona Brennicke (extras), Sabine Schroth. Coordenação de elenco: Meg Mazursky. Supervisão de guarda-roupa: Michael Dennison. Guarda-roupa feminino em Munique: Emmi Horoschenkoff. Guarda-roupa: Teresa Alba Schipani, Ursula Schrader. Supervisão de costumes em Munique: Ille Sievers. Assistente de supervisão de guarda-roupa: Linda Wayne. Aprendiz de montagem: Clayton Collins, Brad Fuller, Chip Keye. Montagem do negativo: Helen Hahn, Jim Todd. Colorização: Bob Kaiser. Assistente de pós-produção: Elizabeth Sayre. Assistente de montagem: Julie Tanser, Renée Vial (em Munique).Edição musical: Stephen A. Hope. Engenharia musical: Allan Mirchin. Instrutor de saxofone: Gregg Phillips. Saxofonista: Michael Rod. Assistente de edição musical: Celia Weiner. Capitão de transportes: Edward Iacobelli. Chefes de motoristas: Max Schillinger, James Patrick Whalen Jr. (em Munique). Assistente de locações: Patricia Aldersley. Gerente de locações: Udo Alter (em Munique). Assistentes de produção: Sonja Beutura (em Munique), James Hapsas, Jill Mazursky, Michael McCormick, Mary Meidinger Wilson (em Munique), Blair Bellis Mohr. Assistente de contabilidade da produção: Donna Cipriani. Assistente de locações: Neil Connuck, Anastacia DeLonge. Planejamento de créditos: Wayne Fitzgerald. Instrutor de russo para Robin Williams: David Gamburg. Coordenação do escritório de produção: Kate Guinzburg. Auditoria da produção: Michael Hill, Annie Spiegelman. Assistente para Paul Mazursky: Sue Leibman. Continuidade: Lillian O. MacNeill. Secretaria executiva: Price Marshall. Coordenação do grupo de regravação de som: Mickie McGowan. Coordenação de estúdio: Steve Rose. Assistente para Robin Williams: Mark Rutenberg. Contabilidade da produção em Munique: Renate Seefeldt. Consultoria técnica: Vladimir Tukan, Wally West. Publicidade: Nancy Willen. Gerente de locações: Kim Wolf (Miami Location), Carl Zucker. Stand-in: Dennis O'Neill (não creditado). Facilidades de produção em Munique: Arnold & Richter, Bavaria Studios. Empresa de locação de equipamentos: Filmtrucks. Elaboração de créditos e efeitos óticos: Modern Film Effects. Fornecimento de alimentação: Voici. Sistema de mixagem de som: Dolby. Tempo de exibição: 115 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1996)

2 comentários:

  1. Considerando que este filme foi feito na época de Ronald Reagan, apaixonado fanaticamente pelo American Way of Life e belicoso até mesmo em seus discursos de campanha, parece-me até bastante ousada a abordagem, fugindo da propaganda rasa presente em filmes como, por exemplo, "Meias de seda", versão muito piorada (assinada, contudo, por Reuben Mamoulian, que contava entre suas realizações "Argelia", "A marca do Zorro", "Sangue e areia", "Rainha Cristina") de "Ninotchka", de Lubitsch.

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    1. Olá, Ricardo;

      Perdão pela demora para me corresponder. Mas nem sempre o sufoco letivo permite tratamento mas pontual. Gosto do "tom baixo" de MOSCOU EM NOVA YORK. É um filme cinzento, bem dirigido e interpretado. Não há exageros e ranços na abordagem. É até crítico, na medida em que um filme americano pode ser, dada a forma em que são produzidos.

      Tenho MAMOULIAN, ao qual se referiu como parâmetro, como excelente diretor. Gosto até de MEIAS DE SEDA. ARGÉLIA, no entanto, é de John Cromwell. Foi rodado em 1938 e refilma O DEMÔNIO DA ARGÉLIA ("Pépé le Moko", 1937), do francês Julien Duvivier.

      Abraços.

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