domingo, 20 de setembro de 2015

BOB FOSSE ESTREIA NO CINEMA AMPARADO POR FELLINI E CABIRIA

Na filmografia do coreógrafo e cineasta Bob Fosse possuem maior relevância Cabaret (Cabaret, 1972), Lenny (Lenny, 1974) e O show deve continuar (All that jazz, 1979). Pouco se fala do insosso Star 80 (Star 80, 1980), último dos cinco títulos que realizou. E quanto ao primeiro, Charity, meu amor (Sweet Charity, 1968)? Inovador e arrojado, foi concebido em época pouco favorável aos cinemusicais. Estavam mortos e enterrados segundo avaliação geral. Assim, a ousada e feérica transposição para Nova York do roteiro escrito por Federico Fellini, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano para o inesquecível As noites de Cabiria (Le notti di Cabiria, 1956) resultou em fragoroso fracasso comercial e de crítica. No entanto, Charity, meu amor está entre os filmes que merecem a generosidade das segundas avaliações. Shriley MacLaine refaz como Charity "Hope" Valentine a patética e generosa Cabiria de Giulietta Masina. Bob Fosse voltaria ao universo de Fellini com O show deve continuar, desta vez tomando por referência os delírios de 8 1/2 (8 1/2, 1963). A apreciação a seguir é de 1994.






Charity, meu amor
Sweet Charity

Direção:
Bob Fosse
Produção:
Robert Arthur
Universal
EUA — 1968
Elenco:
Shriley MacLaine, John McMartin, Richardo Montalban, Sammy Davis Jr., Chita Rivera, Paula Kelly, Stubby Kaye, Barbara Bouchet, Suzanne Charny, Alan Hewitt, Dante DiPaolo, Bud Vest, Ben Vereen, Lee Roy Reams, Al Lanti, John Wheeler, Leon Bing e os não creditados Leon Alton, Richard Angarola, Marie Bahruth, Toni Basil, Henry Beckman, Larry Billman, Carol Birner, Herman Boden, Donald Bradburn, Charles Brewer, Chelsea Brown, Lonnie Burr, Jeff Burton, Ceil Cabot, Dee Carroll, Ray Chabeau, Noble 'Kid' Chissell, Cheryl Christiansen, Linda Clifford, Kathleen Cody, Dick Colacino, Bud Cort, John Craig, Bryan Da Silva, Marguerite DeLain, Alfred Dennis, George DeNormand, Kathryn Doby, Jimmy Fields, Lynn Fields, John Frayer, Dave Gold, Ben Gooding, Bick Goss, Ellen Halpin, Bill Harrison, Chuck Harrod, Buddy Hart, Sharon Harvey, Tom Hatten, Carlton Johnson, Kirk Kirksey, Richard Korthaze, Jennifer Laws, Nolan Leary, Lance LeGault, Diki Lerner, Buddy Lewis, Judith Lowry, Trish Mahoney, Jerry Mann, Lynn McMurrey, Joseph Mell, Gloria Mills, Jackie Mitchell, Ted Monson, April Nevins, Geraldine O'Brien, Maris O'Neill, Walter Painter, Alma Platt, Maudie Prickett, Louise Quick, Frank Radcliffe, Leoda Richards, Ed Robinson, Carroll Roebke, Sandy Rovetta, Charlene Ryan, Dom Salinaro, Juleste Salve, Victoria Scruton, Paul Shipton, Patrick Spohn, Norman Stevans, Chet Stratton, Walter Stratton, Kristoffer Tabori, Robert Terry, Bob Thompson Jr., Roger Til, Jerry Trent, Tifni Twitchell, Renata Vaselle, Bonnie G. West, Lorene Yarnell Jansson, Kay York, Adele Yoshioka.



O diretor e coreógrafo Bob Fosse ensaia com Shirley MacLaine os passos de Charity


Cabiria dançou, e muito bem. Mudou o nome para Charity "Hope" Valentine; trocou a paisagem romana pela desumana, individualista e fria Nova York tomada de arranha-céus. Conseguiu emprego no mal afamado Pompeii — clube noturno no qual se desdobra como dançarina e garota de programa. Junto com as companheiras de infortúnio — mais realistas e pragmáticas —, aguarda, esperançosa, a chegada de dias mais promissores quando conseguirá trabalho "decente" e — melhor ainda — se casará com moço bom, compreensivo, apaixonado e rico. Permanece a ingênua sonhadora de otimismo patético. Acredita na humanidade e no poder de redenção do amor. Mas será humilhada, roubada e abandonada por todos os homens pelos quais se apaixona. Ainda assim, apesar de tudo, viverá “cheia de esperança, para sempre”.




Acima e abaixo: Shirley MacLaine no papel de Charity "Hope" Valentine


A personagem, na mudança de ares, também substituiu o guia e conselheiro. Era Federico Fellini quando se chamava Cabiria. Agora, como Charity, é Bob Fosse — dançarino com pequenos papéis acumulados em filmes musicais: Dá-me um beijo (Kiss me Kate, 1953), de George Sidney; Procura-se uma estrela (Give a girl a break, 1953), de Stanley Donen; e Jejum de amor (My sister Eileen, 1955), de Richard Quine[1]. Com Um pijama para dois (Pajama games, 1954), estreou como coreógrafo nos palcos da Broadway e recebeu o primeiro Tony. Essa peça e a seguinte  Damn yankees  foram imediatamente convertidas ao cinema. A primeira, em 1957, em versão insossa de mesmo nome estrelada por Doris Day sob a batuta de Stanley Donen e George Abbot. Em 1958 a mesma dupla dirigiu a segunda, exibida nas telas brasileiras com o nome de O parceiro de Satanás. Redhead, de 1959, marca a estreia de Fosse na direção teatral. Nesse ano assistiu a As noites de Cabíria (Le notti di Cabiria, 1956), de Federico Fellini. Desde então, acalentou o desejo de adaptá-lo aos palcos, o que foi concretizado com bastante sucesso em 1966. Daí para o cinema foi um pulo.





Acima, ao centro e abaixo: Charity (Shirley MacLaine) com as amigas Helene (Paula Kelly) e Nickie (Chita Rivera)


Charity, meu amor — roteiro de Peter Stone a partir do livreto de Neil Simon, por sua vez baseado no roteiro de Federico Fellini, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano para As noites de Cabiria — traz a encantadora e carismática Shirley MacLaine no papel originalmente confiado a Giulietta Masina. Marca a estreia de Bob Fosse como cineasta, logo com um retumbante fracasso comercial e de crítica que o afasta da direção até 1972, quando retorna gloriosamente com Cabaret (Cabaret).


No fundo, tanto crítica como público cometeram com Charity, meu amor — produção estimada em 20 milhões de dólares — mais um daqueles tremendos erros de avaliação somente corrigidos com o tempo. A realização foi vítima de julgamentos apressados e errôneos dirigidos aos trabalhos pioneiros e inovadores. É um conto de fadas ambientado em chão de asfalto, com coreografia distribuída por alguns dos mais vigorosos e sensuais números musicais, como o cinema jamais vira. Danças compassadas ao estalar de dedos, corpos estáticos que num repente ganham movimento, agitação constante de braços e pernas, destaque para o poder coreográfico de bocas e olhos. Poderia ter produzido radical revolução no gênero, capaz de lhe dar maior sobrevida, não fossem as apreciações obtusas que recebeu. Quando foi redescoberto e reavaliado, principalmente depois do estrondoso sucesso de Cabaret, era tarde para salvar os musicais. A coreografia de Charity, meu amor ainda permanece como marca registrada de Bob Fosse.



Oscar (John McMartin)

Charity (Shirley MacLaine) tenta a sorte com Oscar (John McMartin)


Parte do elenco que atuou na montagem teatral está no filme: John McMartin, a excelente Chita Rivera e Paula Kelly. Shirley McLaine ocupa a vaga que, nos palcos, pertenceu a Gwen Verdon — esposa do diretor. Os destaques vão para os números encenados no Pompeii, particularmente O indiferente, O peso-pesado e O grande final. Mas o melhor momento é Ritmo da vida com Sammy Davis Jr. atuando como Big Daddy (Paizão) na companhia de numerosos dançarinos que evoluem junto de sucata, ferramentas e pneus velhos.


Charity (Shirley MacLaine) com Big Daddy (Sammy Davis Jr.)





  
Direção de fotografia (Panavision 70mm, Technicolor): Robert Surtees. Direção de arte: Alexander Golitzen, George C. Webb. Decoração: Jack D. Moore. Som: Waldon O. Watson, William Russel, Ronald Pierce, Len Paterson. Gerente de produção: Ernest B. Wehmeyer. Assistente de direção: Douglas Green. Títulos: Howard A. Anderson Co. Montagem: Stuart Gilmore. Maquiagem: Bad Westmore, Marvin G. Westmore (não creditado). Penteados: Larry Germain. Direção de diálogos: Leon Charles. Supervisão de roteiro: Betty Abbott. Assistentes de coreografia: Paul Glover, Ed Gasper, John Sharpe, Sonja Haney. Cosmésticos: Cinematique. Penteado de Shirley MacLaine: Sidney Guilaroff. Costumes: Edith Head. Letra das canções: Dorothy Fields. Música e organização da trilha musical: Cy Coleman. Supervisão e direção musical: Joseph Gershenson. Orquestração: Ralph Burns. Vocal: Jack Lee. Edição musical: Arnold Schwarzwald. Roteiro: Peter Stone, a partir do livreto de Neil Simon encenado na Broadway por Fryer, Carr & Harris, baseado no roteiro de Federico Fellini, Tullio Pinelli e Ennio Flaiano para As noites de Cabiria (Le notti di Cabiria, 1957), de Federico Fellini. Coreografia: Bob Fosse, Gwen Verdon (não creditada). Sistema de gravação de som: Westrex Redording System com 6 pistas para cópias em 70mm. Operadores de playback (não creditados): Weldon Brown, James V. Swartz. Dublês: Dean Smith (para John McMartin/não creditado). Técnico de iluminação: Doug Mathias (não creditado). Músico: Carol Kaye (não creditada). Alimentação (não creditada): Dominic Santarone, Ruth Santarone. Tempo de exibição: 150 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1994)




[1] Cf. ALBAGLI, Benjamin. Tudo Sobre o Oscar. Rio de Janeiro: Brasil-América (Edições Cinemin), 1988. p. 262.

6 comentários:

  1. Una reseña muy completa, amigo. De muy buena factura. Gracias por compartírnosla.

    Abrazos

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  2. Buenas tardes y muchas gracias por suas apreciações, caro José Valle Valdés. Estou feliz por você ter gostado.

    Grande abraço.

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  3. Parabéns pelo excelente trabalho que você faz no seu blog J.E. Os seus comentários são muito boas Beijos

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    1. Muito obrigado, Carmen Cardenosa. Reconheço que é um espaço simples, mas de bom tamanho para a divulgação de textos os mais diversos que escrevi a ainda escrevo sobre os muitos filmes que assisti numa já longa vida cinéfila.

      Beijos e abraços.

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  4. Eugenio,

    O Fosse é outro diretor de quem conheço somente um trabalho, que foi O SHOW DEVE CONTINUAR.

    Não consigo externar mais nada do diretor para melhorar um pouco o comentário.

    jurandir_lima@bol.com.br

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    1. jURANDIR,

      Creio que você não terá muitas dificuldades para encontrar filmes do Bob Fosse, à venda ou em download. Vale muito a pena conhecer o seu trabalho, principalmente em CABARET.

      Abraços.

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