domingo, 19 de julho de 2015

OS EXTREMOS DO INDIVIDUALISMO EM WESTERN DE RAOUL WALSH

Os anos 50 encontram o vigoroso e incansável pioneiro Raoul Walsh entrando no inverno de sua carreira. Mesmo assim, ainda assinaria 22 títulos até se despedir definitivamente das telas, em 1964, com o western Um clarim ao longe (A distant trumpet). Destacam-se, nessa fase, O falcão dos mares (Captain Horatio Hornblower R.N., 1951), Embrutecido pela violência (Along the great divide, 1951), Tambores distantes (Distant drums, 1951) e O mundo em seus braços (The world in his arms, 1952). Dirigiu 138 títulos, desde 1913. Hoje, certamente, são raros os cinéfilos que lhe conhecem o nome e a obra. Dentre os grandes realizadores estadunidenses, Walsh é dos poucos que experimentaram as aventuras retratadas. Seu cinema é marcado pela movimentação constante, ação compacta e direta, narrativas sem floreios e personagens bem delineados. O menor Irmãos inimigos (Gun fury, 1953) — filmado no antigo processo de terceira dimensão — se beneficia, de certo modo, dessas qualidades. O título opõe duas representações do individualismo extremado e deletério em momento historicamente complicado dos Estados Unidos, quando o país fazia o balanço de seus despojos para se reconstruir após o término da Guerra de Secessão. A apreciação a seguir é de 1998.






Irmãos inimigos
Gun fury

Direção:
Raoul Walsh
Produção:
Lewis J. Rachmil
Columbia Pictures Corporation
EUA — 1953
Elenco:
Rock Hudson, Donna Reed, Philip “Phil” Carey, Roberta Haynes, Leo Gordon, Lee Marvin, Neville Brand, Ray Thomas, Robert Herron, Phil Rawlins, Forrest Lewis e os não creditados Alma Beltran, Don Carlos, John L. Carson, Charlita, John Dierkes, Leo Gordon, Robert Griffin, Carl Harbaugh, Pat Hogan, Christey Marlo, Bob Morgan, Post Park, Maudie Prickett, J. C. Quinn, Jim Reeves, Drake Smith, Elaine Stritch, Rosa Turich, Mel Welles, Ray Wise, Frank Fenton, Jim Hayward, Ethan Laidlaw, Henry Rowland, Dan White.



O diretor Raoul Walsh, uma lenda do cinema



Rock Hudson contava 23 anos quando estreou no cinema. Integrava o setor não creditado do elenco de Sangue, suor e lágrimas (Fighter squadron, 1948), aventura bélica realizada por Raoul Walsh. Cinco anos mais tarde voltaria ao convívio do diretor, como protagonista de Gigantes em fúria (Sea devils), Irmãos inimigos e Bando de renegados (The lawless breed).


Irmãos inimigos é western passado no Arizona logo após a Guerra de Secessão. Originalmente foi filmado no antigo processo de terceira dimensão, logo abandonado, do qual guarda poucos sinais, mostrados perto do fim: o bandido Frank Slaton (Carey) arremessa sucessivamente, em primeiro e bem acentuado plano, em direção ao público, um galho de árvore e uma pedra sobre o perseguidor Ben Warren (Hudson).


Apesar de Hudson ser o protagonista, os melhores momentos dos 83 minutos de ação praticamente contínua de Irmãos inimigos pertencem a Phil Carey. Está bastante convincente como Frank Slaton, aristocrata frio e ressentido com a derrota do Sul na Guerra de Secessão. Arruinado pelo conflito, vive de assaltos liderando quadrilha formada por ex-soldados que comandou. Impulsivo, toma para si tudo o que quer e utiliza as pessoas como bem entende. Amparado pelos seus celerados, assalta a diligência na qual viajava em companhia dos jovens e também sulistas Jennifer Ballard (Reed) e Ben Warren, noivos com planos de se estabelecerem em rancho na Califórnia. A ação fulminante dos bandidos liquida o cocheiro e parte da escolta militar. Ben é ferido ao tentar reagir. Dado por morto, é abandonado na estrada. Jennifer é levada por Frank, na fuga da quadrilha rumo ao México.


À direita, Ben Warren (Rock Hudson), junto à janela, e Jennifer Ballard (Donna Reed).  Frank Slaton (Philip Carey) é o primeiro à esquerda


Jess (Gordon), lugar-tenente de Frank, discorda do rapto da moça, fator que poderá atrasar o deslocamento do bando. Tenta libertá-la numa parada, mas enfrenta a fúria do chefe, que a deseja. Jess é amarrado e abandonado para morrer sob o sol. Enquanto isso, Ben desperta. Recupera um cavalo da diligência e parte na pista dos bandidos. Encontra Jess quase morto. Salva-o. Tornam-se parceiros na perseguição. Ganham um aliado: o índio Brazos (Brand), com contas a ajustar com Frank.


Frank Slaton (Philip Carey) é a sensação de Irmãos inimigos

Ben Warren (Rock Hudson)


Jennifer tenta a fuga. Logo é recapturada por Frank. É quando o bandido oferece, com uma fala, o melhor momento do filme: “Seu homem morreu, foi escolha dele, não minha. Se pensar em fugir de novo veja bem para onde vai. A resposta é: lugar nenhum. Eu trouxe você porque é tão sozinha como eu. Me olha desse jeito porque vive num mundo que não existe mais. Se a tivesse conhecido antes da guerra... Mas não foi assim. E o Sul é um mundo diferente agora, um mundo cercado por três exércitos: um de viúvas, um de aleijados, outro de ladrões. Felizmente eu estou inteiro e não tem ninguém chorando por mim”.


Jennifer Ballard (Donna Reed) no laço de Frank Slaton (Philip Carey)


Frank Slaton é um individualista pernicioso. Ben, de outra maneira, também o é. Mas, ao contrário do bandido, não nutre ressentimentos. Pretendia apenas construir um futuro de paz e tranquilidade junto a Jennifer, pouco ligando para os acontecimentos ao redor. Seu pacifismo é alimentado pelo desejo de se preocupar exclusivamente com os próprios problemas. Frank e Ben são prisioneiros de convicções extremadas. Passam ao largo de qualquer atitude que lembre responsabilidade social. Entretanto, a perda de Jennifer conduz Ben a um processo de expiação, no qual experimenta o sabor amargo do egoísmo. Onde quer que busque ajuda, ninguém se dispõe a acompanhá-lo. Todos se fecham em torno dos próprios interesses.


Ben conta apenas com Jess e Brazos. Depois, ganha a adesão de Stela (Haynes), namorada que Frank renega para ficar com Jennifer. Na perseguição, o personagem de Hudson passa por um processo de crescimento moral. Percebe a importância do outro, mesmo que este lhe seja diferente em tudo. Isso explica sua reação quando Jess é covardemente assassinado por Frank.


Ben Warren (Rock Hudson) passa por um processo de crescimento moral


Após se aproveitar de Jennifer, Frank perde o interesse por ela. Sabedor da perseguição que lhe movem, propõe a Ben trocá-la por Jess. Argumenta que necessita do ex-companheiro para controlar a quadrilha. Jess aceita, mas é morto. Por certo, Frank pensava que Ben não fosse se importar com o fato, pois conseguiu Jennifer de volta. Porém, princípios estavam em jogo, mais que a mera satisfação de desejos primários. Frank não cumpriu o acordo. Matou Jess, que foi leal a Ben durante todo o trajeto. Segue-se a previsível prestação de contas. Frank é morto. Quem o mata é Brazos, em ação que salva o noivo de Jennifer da morte certa.




Acima, ao centro e abaixo: Ben Warren (Rock Hudson) e  Jennifer Ballard (Donna Reed)


Irmãos inimigos é western menor na carreira de Walsh. Mesmo assim, possui marcas inconfundíveis do diretor: movimentação constante, ação compacta e direta, narrativa sem floreios. As falhas, em parte, devem ser creditadas ao roteiro que não se aprofunda na exploração das nuanças que acentuam as diferentes particularidades nas personalidades do bandido e do mocinho. Por outro lado, Rock Hudson afunda na pasmaceira. Seu tipo não ajuda. Definitivamente, não se enquadra no figurino e no tom do herói másculo e francamente decidido de Walsh. Para saber do que se fala, basta confrontá-lo aos marcantes James Cagney, Humphrey Bogart, John Wayne, Douglas Fairbanks, George Raft, Robert Mitchum e Clark Gable, estes sim, firmes modelos de decisão segundo o imaginário que povoa o cinema do diretor.





Roteiro: Irving Wallace, Roy Huggins, com base na novela The against Caesar, de Kathleen E. Granger, George Granger, Robert A. Granger. Direção de fotografia (Technicolor): Lester H. White. Consultor de cor: Francis Cugat. Direção de arte: Ross Belah. Montagem: Jerome Thoms, James Sweeney. Decoração: James Crowe. Assistente de direção: Jack Corrick. Engenheiro de som: Josh Westmoreland. Direção musical: Mischa Bakaleinikoff. Música (não creditada): Mischa Bakaleinikoff, Arthur Morton, George Duning, Irving Gertz, Fred Karger, Paul Sawtell, Marlin Skiles. Penteados: Dotha Hippe (não creditado). Dublês (não creditados): Robert Bradshaw, John L. Cason, Bob Herron, Bob Morgan, Post Park, Al Wyatt Sr. Stand-in: Fritz Ford (não creditado). Sistema de mixagem de som: Mono pela RCA Sound System.  Tempo de exibição: 83 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1998)