quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

SOBRE O QUARTO ANIVERSÁRIO DO BLOG: UM TEXTO DA QUERIDA AMIGA E REVISORA OLÍMPIA OLIVEIRA

De Olímpia Oliveira, querida amiga e revisora de meus textos, palavras que muito me emocionaram com respeito ao quarto aniversário do blog, à minha fixação fordiana e particular cinefilia - José Eugenio Guimarães. 




Olímpia Oliveira, à direita, com a filha Luísa Peixoto
Olímpia, incentivadora do blog, acompanha-o desde o início
Olímpia faz a revisão dos textos e propõe ajustes



Com a leitura da resenha - pré-postada -, de Estigma da crueldade (The bravados, 1958), de Henry King, inicio a missiva em homenagem a José Eugenio Guimarães e a seu blog Eugenio em Filmes. Este completa quatro anos, na próxima terça, dia 13 de dezembro. Data mesma do AI-5, em 1968.



Eugenio é um fanático – incondicionalmente apaixonado pela sétima arte! Nas noites de sexta, após as aulas da universidade, aqui, em “Escovas”, - como ele costuma dizer -, demos início aos encontros com o cinema, na casa de amigos, com direito a comes e bebes e boa companhia – lá pelos anos 2010/11. É claro que quem indicava os filmes era o nosso cinéfilo, espirituoso e da boa cachaça, Eugenio.



John Ford sempre marca presença na vida e assuntos de Eugenio
As vinhas da ira (The grapes of Wrath, 1940), por exemplo...










...E também, entre muitas outras realizações fordianas, Depois do vendaval (The quiet man, 1952), No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valance, 1962),  Como era verde o meu vale (How green was my valley, 1941) e Rastros de ódio (The searchers, 1956).


John Ford se apresentou à sombra e à companhia dele. Começou assim uma parceria – a leitura e a revisão do arquivo imenso de resenhas. A intenção de publicar o acervo aflorou. À 0h de todo domingo, um novo texto é postado no Eugenio em Filmes.


Acompanhei de perto a iniciativa do blog e sua (a dele) satisfação em ver pronto aquilo que imaginara: o espaço de projeção com cortinas verdes e as cadeiras vermelhas da plateia.



Eugenio - para aqueles que bem o conhecem - é cheio de manias! Uma delas é sortear, em meio às suas inúmeras pastas, a apreciação a ser postada de determinado filme. Depois, a envia para mim. Faço a leitura e a revisão de bobagens ortográficas, dando alguns pitacos na escrita cinematográfica: minha “câmera” lê seus artigos, sim – artigos –, análises e impressões, atentando aos detalhes, aqueles passados desapercebida ou despercebidamente. Tanto faz. É um deleite para aquele conhecedor das telas. Às vezes até procuro o filme para assistir após a primeira leitura, e aí, quando retorno, me identifico com o que está ali posto. Amo as imagens dos filmes e daquelas fotografadas na escrita. Elas demandam época, tempo, história e sociedade.



São clássicos, em sua maioria. Clássicos sim – e não “filmes antigos”. ...rsrs.! Acho que nasci tarde demais! Preciso de muitas noites de sofá até colocar em dia!



Não é um blog para qualquer um. E é para todos também. Os textos são críticos com uma pitada de sarcasmo e ironia, além de informativos e contextualizados. Às vezes, as linhas da pauta são duras e cortantes, mas necessárias por serem políticas e politizadas.



Yamê Peixoto, também filha de Olímpia Oliveira
Yamê  seguiu atentamente as minhas orientações na concepção do layout do blog:  simples, de cores leves, com destaque, acima de tudo, para o texto



Amigo queridão, é um enorme prazer acompanhá-lo na minha ignorância cinéfila.



Nos encontraremos na próxima sessão. Parabéns pelos prêmios e agrados aos amantes da sétima arte!



Beijos de Axé! E abraços de Saudades!



E, claro!
FORA TEMER! E ELEIÇÕES JÁ!"



Olímpia Oliveira
Vassouras, 12 de dezembro de 2016

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

QUARTO ANIVERSÁRIO DE "EUGENIO EM FILMES"

O blog "Eugenio em Filmes" chega ao quarto aniversário: 13 de dezembro de 2016. Desde o nascimento são 235 textos publicados, a maioria composta de apreciações de filmes os mais diversos que assisti e venho assistindo em 58 anos de paixão irrestrita pelo cinema. Comecei cedo, aos dois anos, em 1958, por causa de minha mãe: não tendo com quem me deixar, levou-me a uma sessão do espanhol Marcelino Pão e Vinho (Marcelino Pan y Vino, 1958), de Ladslao Wajda. Graças aos meus pais passei, a partir dos 8 anos, em 1964, a praticar o esporte preferido: anotar os nomes dos filmes vistos. Devido às fixações de ambos — também cinéfilos razoavelmente organizados enquanto assim puderam permanecer —, tenho a relação completa de tudo o que vi. São, sem tirar nem por, 6683 títulos até o momento. Este número poderia ser bem maior. Porém, houve o período em que fiquei mais exigente e deixei de privilegiar qualquer atração que se apresentasse. 



Em 1967 percebi que apenas listar os títulos era pouco relevante. Com o auxílio de jornais e revistas me lancei à então difícil atividade de levantar as fichas técnicas e de elenco. Em 1974, considerei que isso também era insuficiente e passei a escrever apreciações pessoais. Embarquei, na medida do possível, em uma intensa atividade de revisão que me obrigou inclusive a viajar para irrigar a memória onde quer que houvesse uma reapresentação do meu interesse. Até hoje continuo nessa brincadeira. Algumas apreciações foram publicadas em revistas acadêmicas e jornais. São esses escritos, que abarcam as mais diversas épocas, de 1974 para cá, que alimentam este blog. 



A decisão sobre o que será publicado decorre de sorteio o mais aleatório. Creio que este método é o mais democrático para lidar com textos acerca de realizações as mais diferentes, nem todas do meu inteiro agrado. Desse modo impeço a interposição de minhas preferências na escolha. Mesmo assim, enquanto o blog começa a arrancada rumo ao quinto ano — e apenas para ilustrar esta publicação comemorativa com algumas imagens —, gostaria que o acaso colaborasse no sorteio, se possível para já, de algumas apreciações deste lote de quinze títulos — um número tinha que ser fixado, não é mesmo? — que, dentre muitos outros, contribuíram para lapidar minha cinefilia e visão de mundo.



48 horas! (Went the day well, 1942), de Alberto Cavalcanti


A sala de música (Jalsaghar, 1958), de Satyajit Ray


Bom dia (Ohayô, 1958), de Yasujirô Ozu


Hiroshima meu amor (Hiroshima mon amour, 1959), de Alain Resnais


Vidas secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos


O homem que matou o facínora (The man who shot Liberty Valance, 1962), de John Ford


Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962), de David Lean 


O passageiro, profissão: repórter (Professione: reporter, 1975), de Michelangelo Antonioni


Limite (1931), de Mário Peixoto


Terra em transe (1967), de Glauber Rocha


Rastros de ódio (The searchers, 1956), de John Ford


O deserto vermelho - O dilema de uma vida (Il deserto rosso, 1964), de Michelangelo Antonioni


O evangelho segundo São Mateus (Il vangelo secondo Matteo, 1964), de Pier Paolo Pasolini


O leopardo (Il gattopardo, 1963), de Luchino Visconti


Paisagem na neblina (Topio stin omichli, 1988), de Theodoros Angelopoulos



Aos que acompanham o "Eugenio em Filmes", obrigado, abraços e vamos em frente.


José Eugenio Guimarães
13 de dezembro de 2016

domingo, 11 de dezembro de 2016

GREGORY PECK PERDE A ALMA NA TRILHA DA VINGANÇA ABERTA POR HENRY KING

Em geral, não tenho muitas simpatias pelos últimos filmes dirigidos por Henry King, aí considerados quatorze títulos revelados a partir de 1950. Aos meus critérios, por razões meramente afetivas consolidadas na infância, nutro apreço pelo melodrama Suplício de uma saudade (Love is a many-splendored thing, 1955). Porém, as duas honrosas culminâncias do período são os westerns protagonizados por Gregory Peck: O matador (The gunfighter, 1950) e Estigma da crueldade (The bravados, 1958) — que recebe a apreciação da vez neste blog. King dirigiu aproximadamente 115 filmes ao longo de uma carreira oficialmente iniciada em 1915 e encerrada 47 anos depois. Marcou presença em todos os gêneros, notadamente nos westerns. Hoje, infelizmente, pouco se sabe sobre os oito títulos com ações ambientadas no cenário do Velho Oeste, produzidos durante o período do cinema silencioso. Estigma da crueldade é simplesmente vigoroso. É um dos melhores filmes sobre o batido tema da vingança. No papel de Jim Douglass, implacável caçador em busca dos assassinos da esposa, Peck apresenta um dos seus mais convincentes e fortes desempenhos. O roteiro de Philip Yordan ganha, nas mãos do diretor, um dinamismo sem igual. A narrativa é rápida e segura; o ritmo acelerado é mantido em estado de permanente tensão, com decisivos apoios da pontuação musical e fotografia. A apreciação a seguir é de 1977.






Estigma da crueldade
The bravados

Direção:
Henry King
Produção:
Herbert B. Swope Jr.
20th. Century-Fox
EUA — 1958
Elenco:
Gregory Peck, Joan Collins, Stephen Boyd, Lee Van Cleef, Albert Salmi, Henry Silva, Kathleen Gallant, Barry Coe, George Voskovec, Herbert Rudley, Andrew Duggan, Ken Scott, Gene Evans, Jack Mather, Niños Cantores De Morelia e os não creditados Robert Adler, Beulah Archuletta, Ada Carrasco, Alicia del Lago, Joe DeRita, Jacqueline Evans, Juan García, María Gracia, Robert Griffin, Kay Koury, Jack Mather, Jason Wingreen.



Bastidores de Jesse James (Jesse James, 1939): o diretor Henry King, à direita, com Tyrone Power 



Rio Arriba, Texas, lugarejo próximo à fronteira com o México: chega Jim Douglass (Peck), taciturno anjo vingador remoído por intenso ódio e trajado em cores escuras. Cavalgou 160 milhas, aproximados 230 Km — para espanto do xerife Sanchez (Rudley) —, somente para presenciar o enforcamento de quatro condenados por assassinato em tentativa de assalto ao banco local: os brancos Bill Zachary (Boyd) e Ed Taylor (Salmi), o mestiço Alfonso Parral (Cleef) e o índio mexicano Lujan (Silva). Que curiosidade mórbida move Douglass? Por que tanto ódio a reluzir de uma máscara de poucas palavras, olhar frio e semblante endurecido? Devido às características espelhadas, chegou a ser confundido com o carrasco aguardado para a execução dos bandidos, homens que jamais viu. Mesmo assim, faz questão de visitá-los na prisão. Encara-os com a firmeza exigida pela mais odienta disposição. O perspicaz Lujan antecipa os motivos que animam o protagonista ao afirmar para os companheiros de cela: "Este homem é um caçador. Os olhos não mentem".



Acima e abaixo: Gregory Peck como o vingador Jim Douglass



Jim Douglass tem suas razões, apesar de tortas. Por causa do testemunho do vizinho, o mineiro John Butler (Evans), acredita que os prisioneiros são os celerados que lhe assaltaram o rancho há pouco mais de seis meses, deixando-o viúvo de uma mulher brutalmente violentada. A tragédia endureceu um homem cordato e sensível. Desde então deixou a filha Helen (Gracia, não creditada) — ainda na primeira infância — aos cuidados de terceiros. Necessitava de todo o tempo disponível para se atirar, sem contratempos, na senda da perseguição e vingança.


Agora, parece, a busca implacável terminará em Rio Arriba. A Lei dará conta da tarefa que Jim Douglass tentava levar adiante. Está ansioso. Mal pode esperar as poucas horas para a execução. Porém, sente-se vazio e frustrado: não deu conta da missão. A sentença impessoal de um tribunal fará justiça em seu nome, indiretamente, pois os condenados pagarão por outro crime. A amiga Josefa Velarde (Collins), de quem fora enamorado, procura apaziguá-lo. Esforça-se para reconduzi-lo ao lado bom da vida, representado pela filha e o amor sincero que sentia pela esposa. Aparentemente tem sucesso, tanto que o convence a participar de missa celebrada à noite, na cidade.


Jim Douglass (Gregory Peck) visita os prisioneiros que supostamente o deixaram viúvo: Bill Zachary (Stephen Boyd), Ed Taylor (Albert Salmi), Alfonso Parral  (Lee Van Cleef) e Lujan (Henry Silva)

A partir da esquerda, de cima para baixo:  Lujan (Henry Silva), Alfonso Parral  (Lee Van Cleef),  Bill Zachary (Stephen Boyd) e Ed Taylor (Albert Salmi)

Jim Douglass (Gregory Peck) ao lado de Josefa Velarde (Joan Collins) durante a missa



Entretanto, para paradoxal alívio de Douglass, os condenados escapam com o auxílio de Mr. Simms (o não creditado DeRita, a partir de 1961 intérprete de Curly-Joe em Os três patetas/The three stooges), cúmplice que se passava por carrasco e morto durante a operação. Agora o caçador terá a oportunidade de se encarregar pessoalmente da vingança, com as próprias mãos, em obediência ao ordenamento do Antigo Testamento: "Olho por olho, dente por dente". É o que acontecerá. Os fugitivos tomam por refém a jovem Emma (Gallant), filha do comerciante Gus Steinmetz (Voskovek). Os cidadãos, até há pouco irmanados em um culto religioso, logo organizam o grupo de busca. Calculista, aparentando calma e ciência sobre o modo correto de agir, Jim prefere, em primeiro lugar, o conforto das acomodações de um hotel. Iniciará o rastreamento ao amanhecer, devidamente descansado e com adequada visibilidade para descortinar as pistas no terreno. Junta-se à patrulha nas primeiras horas do dia. Com firmeza, assume o comando da formação, mas dela mantém considerável distância. Prefere agir sozinho.


Não demora a encontrar Parral e Taylor. Liquida-os com requintes de crueldade, um de cada vez, em locais diferentes. Deixa os corpos na marcação da trilha. Nestes acertos de contas, uma dúvida começa a assaltar o espectador. Jim Douglass está na pista dos reais culpados pela morte da esposa? Parral e Taylor, em seus minutos finais, cada qual ao seu modo, juraram com muita convicção que jamais viram a mulher que o perseguidor lhes exibia em retrato. Porém, as incertezas logo parecem se dissipar. Adiante, Douglass chega à cabana de John Butler. Encontra-o morto. Zachary, o assassino, também violentou brutalmente a refém e a abandonou no local, em estado de choque. Devido ao deplorável estado de Emma, tudo leva o espectador a acreditar que os fugitivos são de fato responsáveis pela viuvez do caçador.


Odiando cada vez mais, Douglass atravessa sozinho a fronteira, em busca de Zachary e Lujan, após deixar a pobre Emma aos cuidados de Josefa. Esta, horrorizada com a situação da garota, agora o incentiva a matar, sem piedade. Zachary é encontrado numa cantina. Também não reconhece a mulher do retrato, mas age lubricamente, com total despudor e desdém diante da imagem. Certamente, para o espectador e, principalmente, Douglass, o celerado se apresenta como o mais covarde e repulsivo dos assassinos. O roteiro e a direção mexem com os impulsos sanguíneos e inconfessáveis da plateia, mantidos à flor da pele. O asqueroso personagem interpretado por Stephen Boyd é, indubitavelmente, o responsável pela desgraça do protagonista, como aparenta. Tão logo o mata, o vingador se põe na pista de Lujan. Alcança-o em casa, junto ao filho enfermo e da esposa Angela (Del Lago, não creditada). Esta, de surpresa, deixa-o fora de combate. Ao recobrar os sentidos é perguntado sobre os motivos da implacável perseguição. Segue um diálogo terrivelmente esclarecedor, que aponta para o pior. Nenhum dos fugitivos é responsável pela morte da esposa. Com Lujan — um sujeito tranquilo, apenas guia contratado pelos demais perseguidos — são encontradas as evidências do verdadeiro culpado: o mineiro e vizinho John Butler, que se passava por amigo e responsável pela descrição dos suspeitos. Jim percebe o quanto estivera cego, a ponto de se fazer “juiz, júri e carrasco” conforme admite em confissão ao padre (Dugan) de Rio Arriba — momento marcado pelo sentido peso do amargor e remorso. Porém, tudo isso não passa de detalhe para a festiva e agradecida população da cidade, pouco interessada em questões menores, de foro íntimo, não importa se baseadas em decisões errôneas. Para o povo, Jim Douglass é um herói: resgatou a honra e a dignidade do lugar.


Joan Collins no papel de Josefa Velarde


Josefa Velarde (Joan Collins) e Jim Douglass (Gregory Peck) com a filha Helen (María Gracia)



Estigma da crueldade é o último e décimo primeiro western de Henry King. A maioria permanece obscura ao espectador hodierno, pois foi realizada no período silencioso e alguns títulos, a esta altura, estão definitivamente perdidos. São Hobbs in a hurry (1918), When a man rides alone (1918), Where the west beggins (1919), Brass buttons (1919), Some liar (1919), This hero stuff (1919), Six feet four (1919) e Beijo ardente (The winning of Barbara Worth, 1926). Seguem-se os mais famosos e conhecidos Jesse James (Jesse James, 1939) e O Matador (The gunfighter, 1950) — realização vigorosa, tão amarga quanto seca, indubitavelmente um dos principais exemplares do gênero. Ao todo, Peck e King firmaram parcerias em seis filmes: Almas em chamas (Twelve o'clock high, 1949), O matador, David e Betsabá (David and Bathsheba, 1951), As neves do Kilimanjaro (The snows of Kilimanjaro, 1952), O ídolo de cristal (Beloved infidel, 1959) e Estigma da crueldade.


Os westerns de King, protagonizados por Gregory Peck, assemelham-se nas imagens iniciais: apresentam os protagonistas — Jimmy Ringo na realização de 1950 — cruzando a tela em galopes solitários durante a apresentação dos créditos. Estigma da crueldade, mesmo inferior a O matador, está entre as melhores realizações tanto do diretor como dos westerns da década de 50, época de apogeu do gênero.


Peck está particularmente bem como vingador. O semblante transmite convicção. É um homem visivelmente destruído. Deixa transparente todo o ódio que lhe remói a alma. A fúria irradiada dos olhos é assustadora. Dá a impressão de que é possível ouvi-lo no ranger dos dentes. Jim Douglass está entre os mais fortes personagens do ator. A autenticidade da interpretação é ampliada por dois poderosos suportes revestidos de intensa dramaticidade: música[1] e fotografia. O tema The hunter, ouvido em cada instante da perseguição, comenta com propriedade um estado de alma esculpido no arrojo e na determinação. A melodia pontua o galope ou o trote, como se marcasse o compasso da disposição de avançar sempre, até a consumação da tarefa. Já a fotografia, a cargo do expert Leon Shamroy, surpreende pelos contrastes entre dia e noite, com o protagonista bem inserido em ambos os turnos. Os dias são de fato claros. Refletem luz intensa, que destaca o chapéu negro do personagem, também trajado em cores quentes. À noite, tudo se torna excessiva e propositalmente sombrio, imerso em tons escuros dissolvidos em azul, negro e vermelho, com Jim Douglass respirando incansável no centro das variedades cromáticas. Dá a impressão de que o forte ódio extravasa de todo o seu ser, a ponto de iluminar com intensos matizes todo o cenário. A presença do vingador também não deixa a paisagem indiferente. A sensação de sobrenatural reveste o conjunto natureza-caçador. O entorno é agreste, seco, retorcido, esculpido em puro assombro. Poucas vezes o relevo e a vegetação mexicanas foram tão bem aproveitados pelo cinema.


Bill Zachary (Stephen Boyd) e a refém Emma Steinmetz (Kathleen Gallant)



Ainda no tocante a musica, Josefa Velarde mereceu um prefixo feito de suaves e envolventes acordes de guitarras. É algo excessivo para uma personagem pouco exigida, mais parecida a uma coadjuvante de luxo. A atriz Joan Collins, inglesa de nascimento, sequer conseguiu ocultar o sotaque das origens, falha para quem representa uma mexicana de nascimento.


Estigma da crueldade é dos melhores westerns sobre o batido tema da vingança ou a dicotomia perseguidor-perseguido. A narrativa é rápida e segura. O ritmo acelerado é mantido em permanente tensão. Henry King —, a serviço da 20th. Century-Fox dos anos 30 ao encerramento da carreira em 1961[2] — nunca foi, nesse período pelo menos, realizador de ousadia inventiva. Era narrador seguro, mas se limitava a seguir fielmente os roteiros. Afundava se a peça fosse ruim. Mas quando tinha a sorte de receber um bom guião, como o de Philip Yordan para Estigma da crueldade, acertava na mosca.


A sequência final — a sofrida expiação de Jim Douglas junto ao padre de Rio Arriba — merece reparos. Às vezes é pouco convincente. Da mesma forma, o porte altivo do personagem quando avança diante da multidão que o aclama, levando nos braços a filha Helen e ladeado por Josefa Velarde que lhe serve de anteparo moral. O epílogo, em parte, contradiz a figura do pecador visto momentos antes, tão trágico e fragilizado, purgando à maneira cristã as faltas cometidas, mas de modo tão simples e fácil... Soa falso, para não dizer hipócrita.


Alguns reparos podem ser feitos ao figurino de Joan Collins, excessivamente luxuoso e berrante. A igreja de Rio Arriba também é demasiado grande, ainda mais para um povoado de tão baixa densidade populacional. Sabe-se que os colonizadores espanhóis fizeram bom uso dos metais e pedras preciosas que conseguiram reter da exploração mineiro-colonial na construção de requintados templos católicos. Mas o de Rio Arriba é acintosamente exagerado para uma comunidade de maioria economicamente remediada. Críticas no mesmo diapasão podem ser dirigidas à indumentária do coral representado pelos Niños Cantores De Morelia, constituído de pobres petizes com pés descalços, certamente moradores de miseráveis casebres. Provavelmente, sequer possuíam roupas em bom estado. Assim, soam pouco condizentes as vestimentas utilizadas pelo grupo. De tão brancas e limpas, parecem ilustrar comercial do melhor sabão em pó da atualidade.


Há um visível erro de continuidade: Jim Douglass enlaça Ed Taylor em uma perna. Mas, ato contínuo, a corda envolve os dois membros do fugitivo quando este é arrastado e pendurado em uma árvore.


É marcante, a ponto de assustar, a observação de Lujan para os companheiros em fuga: "Você jamais ouvirá o som do tiro que o matará".





Roteiro: Philip Yordan, baseado em novela de Frank O’Rourke. Música: Lionel Newman e dos não creditados Hugo Friedhofer e Alfred Newman. Direção musical: Bernhard Kaun. Direção de fotografia (CinemaScope, Color DeLuxe): Leon Shamroy. Direção de arte: Lyle R. Wheeler, Mark-Lee Kirk. Decoração: Walter M. Scott, Chester L. Bayhi. Montagem: William Mace. Planejamento de guarda-roupa: Charles Le Maire. Maquiagem: Ben Nye, Jack Obringer (não creditado). Penteados: Helen Turpin. Assistente de direção: Stanley Hough. Som: Bernard Freericks, Hal Lombard, Harry M. Leonard. Consultor de cor: Leonard Doss. Gerente de unidade (não creditado): Henry Weinberger. Segundo assistente de direção (não creditado): Jack Stubbs. Camareiro (não creditado): Paul S. Fox. Edição de som (não creditada): William Hartman, Don Isaacs, Sam Woodward. Efeitos especiais: William F. Mittlestedt (não creditado). Assistentes de câmera (não creditados): Delmer Blair, Leo McCreary, Lou Pazelli. Operadores de câmera (não creditados): Lee Crawford, Paul Lockwood. Eletricistas (não creditados): Fred Hall, Bob Henderson, Hank Vadare. Fotografia de cena: Rollie Lane (não creditado). Primeiro assistente de edição: Orven Schanzer (não creditado). Mixagem da trilha musical: Michael J. McDonald (não creditado). Continuidade: Teresa Brachetto (não creditada). Treinador de lutas: 'Chema' Hernandez (não creditado). Auditoria da produção: Vic Price (não creditado). Lentes de CinemaScope: Bausch & Lomb. Sistema de mixagem de som: Estereofônico em quatro canais pela Westrex Recording System. Supervisão musical: Lionel Newman (não creditado). Tempo de exibição: 98 minutos.


(José Eugenio Guimarães, 1977)



[1] Os créditos atribuem a música a Lionel Newman, irmão mais novo de Alfred Newman. No entanto, sabe-se que o primogênito e Hugo Friedhofer, não creditados, estavam entre os autores da trilha. Pelo visto, fizeram uma oportuna e gentil concessão a Lionel. Este teria participado mais intensamente da não creditada supervisão musical.
[2] Suave é a noite (Tender is the night), pífia adaptação da obra homônima de Francis Scott Fitzgerald, é o último trabalho do diretor.